Política de Informação e a Hélice Tripla: Reflexões sobre Serviços de Informação no Contexto da Cooperação U-E.

 

Asa Fujino[1]

Resumo:

 

A Política Científica e Tecnológica (PCT) Brasileira tem sido influenciada pelo argumento da Hélice Tripla (HT) unindo Universidade, Empresa e Governo em novo contrato social, visando estimular a inovação e o desenvolvimento econômico do País no contexto da sociedade da informação O tema da cooperação Universidade-Empresa (U-E) tem merecido especial atenção dos pesquisadores e os resultados de suas pesquisas orientam a formulação de políticas relativas à geração, acesso e capitalização do conhecimento. Entretanto, estudos sobre políticas de informação neste ambiente não mereceram igual atenção, embora a informação, entendida como instrumento de agregação de valor, seja o insumo básico para o conhecimento. O trabalho parte do pressuposto de que a cooperação U-E é um elemento importante para viabilizar o desenvolvimento científico e tecnológico do País e, nesse sentido, discute o papel dos Serviços de Informação nesse contexto. Apresenta-se um panorama conceitual sobre o tema e reflexões sobre as dificuldades de as empresas identificarem fontes de informação nas universidades públicas, via instrumentos de acesso à informação, atualmente disponibilizados pelas universidades. O estudo fundamenta-se em dados de pesquisa realizada em 2000[2], complementados e atualizados em 2004, para verificar se a atual política de informação das universidades públicas brasileiras considera, nas suas ações, o apoio à atividade de extensão, particularmente a cooperação U-E, no atual contexto da sociedade da informação.  Conclui pela inexistência de política específica e pela manutenção de um modelo ofertista linear , característico da academia, sem preocupação com as necessidades do setor empresarial, o que contraria o discurso oficial. O estudo demonstrou a importância de uma política de linguagem de compatibilização entre a linguagem do especialista e a do usuário, baseada na construção de uma rede de equivalências.

 

Palavras-chave: hélice tripla; cooperação U-E; serviços de informação; política de informação; política de linguagem.
 Introdução

 

O deslocamento do paradigma da sociedade industrial para o da sociedade do conhecimento coloca no centro da discussão o conhecimento e sua gestão, como fatores relacionados à capacidade competitiva das empresas e países. A necessidade crescente de conhecimentos científicos para alcance do progresso técnico e o encurtamento do ciclo das inovações, vem exigindo dos atores envolvidos no processo de geração e difusão de inovações esforços para intensificar as práticas de cooperação tecnológica.

Questionamentos recentes referem-se ao potencial de contribuição das universidades para o desenvolvimento econômico dos países. O estímulo à realização de projetos tecnológicos com o setor empresarial baseia-se no argumento de que essas interações favorecem o acesso aos conhecimentos e habilidades tecnológicas dos parceiros, além de minimizarem os riscos financeiros inerentes às atividades de pesquisa e desenvolvimento, ao mesmo tempo em que possibilitam novo aporte de recursos às atividades de pesquisa (Fujino, Stal , Plonski, 1999).

No Brasil, a pesquisa científica concentra-se principalmente nas universidades públicas e é pela atividade de extensão que a universidade tem a oportunidade de difundir parte do conhecimento acumulado para a capacitação tecnológica das empresas e de conhecer as necessidades da indústria, fator importante para assegurar a conectividade com as atividades de ensino e pesquisa (Fujino, 2000). A literatura internacional é abundante na abordagem do tema e na análise de diversos aspectos envolvidos na discussão - tipologia das estruturas de interface, dimensões da interação, motivações e benefícios, barreiras e obstáculos, razões de sucesso (Valentín, 2002). O argumento da “Hélice Tripla”, onde governo, universidade e empresa se unem em prol do desenvolvimento tecnológico nacional, tem sido amplamente utilizado para convencer a universidade a cooperar com o setor privado (Dagnino, 2003).

No entanto, no Brasil, o aumento da consciência sobre a necessidade de transferir à sociedade os resultados da pesquisa financiada com recursos públicos, não tem sido acompanhado de ações concretas que viabilizem a transferência de tecnologia. a qual pressupõe a absorção do conhecimento gerado na universidade pela empresa. Tal cenário agrava-se ainda mais pela carência de canais institucionais de comunicação entre a universidade e a empresa (U-E), o que acaba acentuando a desvinculação entre a oferta e a demanda de tecnologia e propicia o desperdício de conhecimentos e tecnologias que poderiam ser de interesse social.

Ao longo da década de 90, o governo brasileiro criou vários mecanismos de estímulo à inovação e à parceria U-E, entre eles os núcleos de informação tecnológica e industrial e os escritórios de transferência de tecnologia. Entretanto, pesquisa realizada no Serviço “Disque Tecnologia”[3] da USP, em 2000, mostrou que não foi contemplada uma atividade fundamental que são os mecanismos de difusão e transferência de informação por parte das instituições de ensino e pesquisa (Fujino, 2000). 

É no contexto dessa discussão que se propõe refletir sobre o papel dos Serviços de Informação. Partindo do pressuposto de que a cooperação é um elemento importante para viabilizar o desenvolvimento científico e tecnológico do País, o estudo procurou atualizar dados de pesquisa realizada em 2000, para verificar se a atual política de informação das universidades públicas brasileiras considera, nas suas ações, o apoio à atividade de extensão, particularmente a cooperação U-E, no atual contexto da sociedade da informação.

 

Política C&T  e a Cooperação U-E

A política Científica e Tecnológica (PCT) é definida como um conjunto ordenado de objetivos que se traduzem em programas e condicionam as ações envolvendo o setor público e o setor privado, visando o desenvolvimento nacional. Nesse sentido é uma política transversal baseada no intercâmbio e integração dos atores da capacitação científica nacional, objetivando garantir a excelência em áreas temáticas consideradas estratégicas em função do seu potencial contributivo para o crescimento da economia e da melhoria das condições de vida da população.

No caso brasileiro, a PCT tem sido influenciada pelo argumento da Hélice Tripla (HT) unindo Universidade, Empresa e Governo em novo contrato social, objetivando estimular a inovação e o desenvolvimento econômico do País. O tema da cooperação U-E tem merecido especial atenção dos pesquisadores e suas pesquisas orientam a formulação de políticas relativas à geração, acesso e capitalização do conhecimento. 

Dagnino (2003) analisa a influência do argumento da hélice tripla junto à comunidade de pesquisa e na elaboração de PCT, identificando duas correntes que se expressam no cenário internacional: a primeira é apoiada em um novo contrato social entre a universidade e a sociedade, na qual a universidade teria a função de participar mais ativamente do processo de desenvolvimento econômico e é caracterizada pelo incremento das atividades de parceria U-E, com crescente resultado econômico e; a segunda, apoiada na Teoria da Inovação, entende que a inovação ocorre na empresa, mas considera que as relações da empresa com o seu entorno são determinantes da competitividade dos países e a universidade deve ser considerada como um agente privilegiado deste entorno para promoção da competitividade, uma vez que as características do ambiente é que determinariam em que medida a empresa seria capaz de implementar, internamente, o que se percebia como processo de difusão.

Essas correntes, segundo o autor, deram origem, na América Latina, a interpretações diferentes nos ambientes de pesquisa e na elaboração de políticas: uma que enfatiza os obstáculos de natureza macro, estrutural e histórica , decorrentes do modelo de desenvolvimento adotado na região; e a que minimiza tais obstáculos, por acreditarem que a ampliação da relação U-E é mais uma questão de adequada gestão.

 A análise das políticas oficiais brasileiras, a partir da década de 90, indica predominância da segunda interpretação focada na formulação de recomendações para implementação de mecanismos institucionais que tornem mais eficaz a relação U- E e levou o Estado a proposição de programas de incentivo à parceria, nas quais a responsabilidade pela implementação recai sobre a universidade. Programas como o PADCT – Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o RHAE – Recursos Humanos para Áreas Estratégicas foram gradativamente condicionando a participação das universidades à parceria com a empresa. Assim, financiamentos de pesquisas a fundo perdido para a universidade passaram a ser condicionados à presença de um parceiro empresarial. O componente Plataformas - PLAT do subprograma Tecnologia Industrial Básica – TIB, por exemplo, previa em seu edital a parceria entre a universidade e a empresa como condição necessária para aprovação de recursos para realização de estudos e diagnósticos de questões que afetam diferentes setores industriais. Esta foi a forma encontrada pelo governo para garantir o surgimento de projetos cooperativos para concorrência por recursos na fase posterior (Fujino, 2003).

Complementarmente, a constatação de que as pequenas e médias empresas (PME) têm importância estratégica no desenvolvimento sócio-econômico brasileiro, pelo seu elevado potencial gerador de emprego, trabalho e renda e o diagnóstico de sua baixa capacitação para concorrência no mercado exportador  levou o governo federal e os estaduais[4] ao estabelecimento de políticas específicas de estímulo à  capacitação tecnológica dessas empresas, via incentivo à parceria com a universidade. Estas parcerias trouxeram para o centro de discussão a gestão da propriedade intelectual e sua titularidade, bem como as formas de licenciamento da tecnologia quando gerada pela universidade e explorada pela empresa (Fujino & Stal, 2004).

 O desafio que se apresenta é o da comunicação entre ambos para viabilizar a transferência de tecnologia da universidade para a empresa, pois um bom resultado de pesquisa é condição necessária, mas não suficiente, para viabilizar o processo de transferência que requer o empenho de ambas as partes em um processo de comunicação, um esforço para que ocorra “mais que um bom contrato, um encontro de mentes” (Allen, 2000, p.3).

 

Política e Gestão da Informação C&T

A sociedade da informação, surge como um novo paradigma técnico-econômico, pós sociedade industrial, para expressar as transformações  técnicas, organizacionais e administrativas que levaram à ruptura do contrato social entre trabalho e capital, e induziram à reestruturação  do capitalismo então vigente. Essas transformações  decorrem de uma interação complexa entre as ações do Estado, as características da sociedade e  o desenvolvimento das novas tecnologias de informação que propiciaram convergência de tecnologias, maior flexibilidade e crescente penetrabilidade nas atividades humanas. A flexibilidade traz no seu bojo a maior disponibilidade para incorporar mudanças, principalmente no nível organizacional, e a idéia de aprendizagem inerente à necessidade de contínuo aperfeiçoamento intelectual e técnico como requisito para adaptação às mudanças (Werthein, 2000).

Este paradigma é um fenômeno global com impactos político-econômicos e sociais decorrentes da atratividade de novos negócios em função da adequabilidade da infra-estrutura de informações disponível e pelo potencial de promover a integração, ao propiciar a redução de distâncias entre pessoas e aumentar seu nível de informação.

A competência para converter conhecimento em vantagem competitiva é um diferencial significativo num ambiente marcado pela constante diminuição do ciclo de vida dos produtos e pela crescente demanda de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e engenharia (P,D&E) e da necessidade de modernização dos meios de produção e comercialização. O capital intelectual é a base para os novos negócios e o  desafio dos países é estabelecer suas prioridades e definir as estratégias mais adequadas para estimular o processo inovador. Isto requer a adoção, por parte do poder público e da iniciativa privada, de mecanismos de incentivo e financiamento para a incorporação de novos conhecimentos relacionados com a geração de negócios e para o surgimento de idéias e de projetos inovadores, com apoio efetivo ao seu desenvolvimento .  

De acordo com o previsto no Livro Verde (Socinfo, p.6-7), a execução do programa para construção da sociedade da informação no Brasil pressupõe ao compartilhamento de responsabilidade entre os três setores: governo, iniciativa privada e sociedade civil, cabendo às universidades papel importante no êxito do programa pelo seu envolvimento na formação de recursos humanos e na construção da indispensável base científico-tecnológica. Além disso, o programa prevê a promoção de projetos de P&D aplicados a tecnologias estratégicas nas universidades e no setor produtivo e a concepção e indução de mecanismos de produção e difusão de conteúdos artísticos, culturais, históricos, científicos e tecnológicos. Questão ética do novo paradigma que não foi suficientemente discutida, segundo Werthein (2000), diz respeito ao aprofundamento das desigualdades sociais em decorrência das dificuldades do acesso à informação, o que cria novos desafios para os atores do processo de inovação.

Para Weinberg ( 1961, citado em González de Gómez , 2003)  há dois movimentos constantes na produção do conhecimento: um caracterizado pela tendência à especialização; outro pela tendência à conectividade, buscando estabelecimento de pontos de contato entre as especialidades. Esta dicotomia se faz presente também no acesso às fontes de informação: o pesquisador teria tendência a desenvolver sua pesquisa em área no qual tem controle da informação, enquanto que os tecnólogos buscariam maior conectividade de múltiplos saberes e competências. Nesse sentido, o acesso transdisciplinar à informação seria um problema mais premente em áreas tecnológicas e de engenharia que nas áreas de pesquisa dita básica. Por outro lado, “ao mesmo tempo em que os pesquisadores desenvolvem especialidades cada vez mais estreitas e seletivas, o desenvolvimento da produtividade científica demanda figuras de maior interconexão entre as áreas do conhecimento, sendo as possibilidades de relação incrementadas pela constante expansão dos espaços textuais e temáticos, oferecidos pela literatura científica” (González de Gómez , 2003. p.7-8).

O que seria uma política de informação científica e tecnológica, em uma sociedade com essas características? A política C&T reflete as relações entre Estado, Ciência e Sociedade em determinado contexto espaço – temporal e em conseqüência cria as condições para a formulação de uma política de informação e para o estabelecimento das diretrizes que nortearão as ações e os recursos destinados à formação de memórias científicas e de transferência de informação. É a partir daí que se definem os papéis e funções das diferentes instituições que vão intervir na mediação das esferas de geração e de destinação da produção científica. Assim, numa sociedade em que os fluxos de informação são intensificados, caberia uma concepção mais democrática de socialização dos conhecimentos, que abrisse oportunidade para que estes saberes pudessem estabelecer maior sintonia com o campo da aplicação.

Gonzáles de Gómez entende não ser fácil diferenciar “seja na forma conceitual ou factual, a política em ciência e tecnologia (PCT), a política de informação científico-tecnológica (PICT) e as políticas de pesquisa em ciência da informação: além de seu caráter geralmente implícito e de sua configuração como políticas tácitas e indiretas, elas foram constituídas em processos e domínios de relações intrínsecas e de influências recíprocas, ainda que não necessariamente assumidas e intencionais” (op.cit.p.3).

No âmbito da Ciência da Informação, o impacto dessas políticas foi considerável e o exemplo mais claro é a criação, no final dos anos 80 e início da década de 90, da Rede de Núcleos de Informação Industrial, dentro do subprograma TIB – Tecnologia Industrial Básica, do PADCT. Tal programa voltou-se prioritariamente para o apoio às ações de estímulo à capacitação tecnológica das pequenas e médias empresas, tendo como base a atuação de especialistas em informação para a re-elaboração de conteúdos técnico-científicos, presentes nos acervos formais e informais das instituições de pesquisa e universidades, para aproveitamento por este setor empresarial. Esta demanda explicitou o despreparo dos profissionais de informação para atuar com um usuário não convencional e a inadequação dos sistemas de busca presentes nas instituições de pesquisa para atender às necessidades deste novo usuário.

A gestão da propriedade intelectual, por sua vez, trouxe à tona as questões relativas ao uso da patente como fonte de informação e às barreiras de comunicação entre os potenciais parceiros, especialmente no que se refere a informações sobre a produção tecnológica das universidades e instituições de pesquisa. Entretanto, no que se refere aos aspectos específicos de linguagem, para propiciar o acesso ao conteúdo informacional dos acervos, pouco se avançou nesta última década.

 

Serviços de informação, Cultura e Linguagem

A informação, entendida como instrumento de agregação de valor, induz a nova visão sobre a função do Serviço de Informação - S.I. como mediador entre usuário e fontes, e exige o conhecimento das características do contexto de produção e consumo da informação. No caso dos S. I. criados para facilitar o processo de cooperação U-E, a dinâmica da mediação adquire outra dimensão, já que o processo de transferência da informação ocorre entre dois atores de culturas distintas e a absorção da informação só ocorrerá se houver plena adequação entre emissor e  receptor da mensagem.

Estudo sobre usuários de Serviços de Informação Tecnológica (SIT), constatou que a barreira referente a linguagem é crucial no processo de acesso à informação, principalmente quando o demandante é a empresa e o ofertante é a universidade, devido a diferenças de código de comunicação. Os S.I.T no contexto da universidade, transferem para o contexto da empresa,  dados oriundos de fontes de natureza científica, sem a devida compatibilização (Fujino, 2000).

No estudo, a seleção da linguagem (oral e/ou escrita) como identificadora da cultura de uma organização foi de suma importância por ser instrumento que nos permite compreender cada instituição participante do processo com valores e normas próprios, subsídio para a análise de uma política de informação. As diferenças de códigos mostram a dimensão da diferença cultural entre ambas. Brisolla (1998, p.77) escreve: “Dois mundos, duas culturas. O espaço acadêmico, com sua linguagem esotérica, seus rituais, seus mecanismos de legitimação e reconhecimento, feitos pela comunidade científica. O âmbito empresarial, com o pragmatismo que lhe é característico, na limpidez dos objetivos, claramente estabelecidos, com uma lógica irrefutável, ditada pela luta pela sobrevivência. Cada qual tem suas regras, seus métodos de trabalho, suas formas de valorizar ou sancionar as boas práticas, que se mostraram eficazes ao longo do tempo, em cada uma das esferas de atividade”.

A linguagem, entendida como a expressão da capacidade comunicativa dos seres, tem sido objeto de estudos antropológicos, sociológicos, linguísticos, etc. Ela surge nos estudos das organizações como uma necessidade de compreensão do homem no seu ambiente organizacional, pois “modela a realidade e determina o comportamento dos agentes. É reveladora de um espírito mais profundo e pode se encontrar em contradição com as declarações formais”(Lemaître ,1984, p. 156).

De fato, segundo Cintra et alii (1994, p.21) todo falante “assume o papel de destinador e destinatário de mensagens, pois ao mesmo tempo em que é capaz de emiti-las sabe decifrá-las(...). Na relação consigo mesmo e com outro falante, opera com o ato de nomear que é feito com a língua, exterior ao indivíduo e submisso a uma espécie de contrato social firmado naturalmente, para garantir a comunicação”.A língua é definida  como “um sistema-estrutura de valores e formas”, o resultado de todo um contexto sócio-histórico que determina as condições de produção do discurso.

As organizações modernas tendem a investir em ações que levem à maior interação entre os indivíduos, de modo a facilitar o surgimento de equipes e a consolidação de grupos de trabalho. A busca de parcerias internas e externas como forma de união de competências diversas obriga as organizações a adotarem estilos mais transparentes de comunicação, onde o canal informal ganha relevância e a linguagem tende a se libertar do simbolismo e se aproximar do real.

A informação necessita ser compartilhada, como base para obtenção de um novo saber/conhecimento. Deste modo, o saber/conhecimento embute uma relação dialética: do ponto de vista das relações de força, o saber/conhecimento é poder e detém maior poder quem possui maior saber/conhecimento. Entretanto, o saber/conhecimento necessita ser compartilhado para obtenção de maior poder. Se a linguagem é um dos principais canais de manifestação do saber, é compreensível supor que ela também refletirá essa dialética, pois a língua, enquanto instrumento de apropriação da realidade, reflete as experiências e o conhecimento que os falantes possuem da mesma e assim comporta seus próprios limites. No entanto, a atribuição de poder sobre este saber é função do meio ambiente, do mesmo modo como é o ambiente que proporcionará ou não condições para o contato do indivíduo com outras realidades e para o intercâmbio de idéias e é importante identificar nas organizações a possível existência de obstáculos ao diálogo, um dos quais o uso de jargões especializados que, embora facilitem a comunicação no interior de cada especialidade, limitam a comunicação entre as demais.

Halliday (1978), considera como um fator importante o entendimento da relação entre as funções da linguagem com a própria língua, já que ela incorpora as funções desenvolvidas pelo homem enquanto ser social, em contextos específicos de uso. Assim, no processo de socialização, pressupõe-se que ele, intencionalmente, deverá tratá-la/organizá-las (funções ideacional e interpessoal) considerando-se a recuperação/contexto de uso (função textual).

O entendimento dos valores culturais de cada uma das organizações, no processo de interação universidade-empresa, codificados no processo de comunicação por meio da linguagem, é o primeiro passo para a compreensão do modo de pensar e agir de cada um dos interlocutores e condição básica para qualquer proposta de mediação entre ambas. A ação comunicativa segundo Novellino (1996) pode se realizar mediante três tipos de relações: a) entre falante e ouvinte; b) entre imagem e aquele que assiste e c) entre texto e leitor, sendo que a função principal do Serviço de Informação é garantir que a ação seja bem sucedida e, para tanto, desenvolve atividades distintas, mas complementares: o estudo de usuários e a representação da informação.

Os mecanismos de disseminação das informações adotados pelos Serviços de Informação, bem como os instrumentos colocados à disposição do usuário para o acesso à informação, definem a qualidade dos seus produtos e serviços e a preocupação com o usuário. No caso dos sistemas documentários, a qualidade do processo de recuperação da informação depende fundamentalmente de duas operações: a descrição física do documento, denominada de catalogação, e a representação do seu conteúdo informacional , denominada de análise documentária.

A eficiência do Sistema Documentário, segundo Borko (1969), deve ser observada do ponto de vista comunicacional, uma vez que a interação entre o usuário e o sistema depende fundamentalmente do grau de interseção entre a linguagem do usuário e a linguagem do sistema para descrição do conteúdo do documento. A possibilidade de fracasso do processo comunicacional, que ocorre no momento em que o usuário manifesta sua demanda ao SIT foi uma das preocupações do estudo realizado em 2000. No caso do usuário de empresa que busca o Serviço de Informação de uma universidade, via Sistema Documentário, as barreiras identificadas são ainda maiores, pois os produtos documentários e, principalmente as linguagens documentárias, não foram concebidas tendo em vista este tipo de usuário. Por outro lado, quando este usuário é representado por um mediador do Serviço de Informação, é preciso considerar também o grau de competência e familiaridade do mediador para decodificar a linguagem do sistema documentário disponível na universidade.Em geral, a recuperação do conteúdo no sistema documentário disponível nas universidades é baseada em cabeçalhos de assunto, palavras-chave ou descritores e desconsidera aspectos relevantes do contexto de atuação do usuário.

 Park, citado por Cohen (1995, p. 6), manifesta sua crítica à ênfase que é dada aos procedimentos de recuperação temática por considerar que a relevância temática ocorre fora do contexto e é baseada na pressuposição da relação entre o tema de um documento e uma pergunta de busca, ignorando o contexto particular e necessidades de um indivíduo. Nesta linha de raciocínio, Lara (1999, p.137) entende que a função da representação documentária é a de exercer a mediação no processo de produção do conhecimento no indivíduo. Embora, ela, individualmente, não produza qualquer conhecimento possui competência para produzi-lo, baseada em uma ação de comunicação mutuamente consentida entre a fonte e os receptores.

No Serviço de Informação da Universidade, voltado para o usuário da academia, os instrumentos de recuperação da informação construídos com base na representação documentária têm maior probabilidade de sucesso, uma vez que normalmente fundamentam-se em linguagens elaboradas, cujos códigos são acessíveis ao usuário. Situação contrária ocorre quando esses mesmos instrumentos são colocados à disposição de usuários que não dominam os códigos de acesso à linguagem utilizada, como é o caso das micro e pequenas empresas.

Tal fato comprova que o grau de formalização da linguagem documentária influi diretamente na capacidade do grupo de usuários em compreendê-la. Quanto maior a formalidade, menor o grupo capaz de utilizá-la. Como uma das funções da linguagem documentária é propiciar a mediação para o conhecimento, o vocabulário utilizado na construção das linguagens depende do tipo de usuário considerado pelo Sistema Documentário, de forma a realizar a ponte entre os dois tipos de léxico: do produtor e do usuário.

As linguagens documentárias podem ser avaliadas do ponto de vista dos seus aspectos estruturais (organização da informação) e funcionais (transferência da informação), embora, normalmente, na elaboração de linguagens documentárias, não se preveja a função que a mesma é chamada a exercer durante o processo de recuperação. Daí a importância de se pensar em estudos que abordem os aspectos estruturais e funcionais da linguagem documentária (Tálamo e Fujita, 1995) e diferentes estratégias que considerem a especificidade do público que se pretende atingir, razão pela qual  os sistemas de equivalência assumem enorme importância para o enfrentamento das questões de representação (Lara, 1999).

De fato, a pesquisa mostrou que uma das principais causas do baixo uso do potencial informacional existente na USP está relacionada à dificuldade, da equipe do DT, em recuperar informações nessas fontes. Isto significa que, apesar de a USP dispor de grande estoque de conhecimento, os mecanismos necessários para acesso a este estoque não são adequados para o usuário em questão.

O grande desafio que se apresenta, portanto, é o desenvolvimento de uma linguagem documentária que incorpore no processo de produção as especificidades dos sistemas e públicos para os quais são construídos para a elaboração de algo que denominamos de Linguagem de Transferência de Informação – LTI.

 

POLÍTICA DE INFORMAÇÃO E A COOPERAÇÃO U-e

O estudo de caso, realizado no DT-USP em 2000, complementado e atualizado em 2004, e a análise dos sites de universidades públicas brasileiras[5], para verificar a disponibilidade de instrumento de acesso aos usuários das empresas ao acervo de conhecimento disponível nas universidades, mostraram a inadequação do modelo de interação, presente na Universidade, para suas relações com o meio ambiente externo. A análise teve como pressuposto as necessidades de informação do usuário, considerando seu contexto de uso, que, segundo Taylor (1986), é de extrema importância porque mostra a forte influência da estrutura e propósito organizacionais e das variedades de funções desempenhadas pelo usuário, no contexto de atuação profissional, sobre o comportamento informacional do indivíduo.

Os resultados confirmam que as linguagens documentárias construídas ou as adotadas revelam, como era de se esperar, a preocupação com o usuário especialista que conhece a terminologia específica de suas respectivas áreas. No caso dos serviços de Biblioteca e Documentação das unidades de pesquisa e ensino da USP, não se questiona sua preocupação com o usuário-especialista. Entretanto, se a melhoria das relações com a empresa constitui-se em objetivo a ser alcançado pela universidade – e a criação do DT e dos escritórios de TT são exemplos dessa preocupação, é importante investir na criação de instrumentos que permitam superar a barreira imposta pelas diferenças entre a linguagem do sistema documentário adotado na Universidade e a linguagem do micro e pequeno empresário e/ou do consultor do DT.

De fato, no que se refere aos aspectos específicos deste trabalho, identificou-se o uso da língua de especialidade e a “síndrome do catálogo”[6] como barreiras principais à comunicação com a empresa. Essa síndrome se manifesta na estruturação das principais fontes de informação a exemplo da “base de especialistas e especialidades” e a do “ cadastro da oferta de serviços tecnológicos” pois consideram a linha de pesquisa do especialista como categoria básica para classificação das informações.

Exemplos corriqueiros mostram a magnitude desta diferença: imã x magnetismo; plástico x polímeros; borracha x elastômeros; ervas medicinais x fitoterapia ou farmacognesia. Se a palavra-chave usada para pesquisa nos bancos de dados for a primeira, o resultado da pesquisa poderá ser senão negativo, no mínimo irrelevante pois o vocábulo adotado como termo oficial é sempre o segundo desta lista.

No que se refere à transferência de tecnologia, via licenciamentos para exploração de patentes, as universidades têm sido fortemente estimuladas, pelos governos estaduais e o federal, à criação de escritórios de transferência de tecnologia ou núcleos de inovação, como forma de potencializar as ações de parceria com as empresas. Entretanto, de igual maneira, pouco cuidado tem sido conferido aos aspectos de comunicação e informação sobre a propriedade intelectual, disponível para licenciamento pelas empresas. Exemplo claro são os sites dos escritórios de TT[7] das universidades: o acesso a eles, dentro do portal da universidade, é dificílimo, pois não há qualquer link nas páginas principais que permita ao interessado chegar às informações sobre patentes disponíveis. Além disso, como não há homogeneidade em relação às estruturas organizacionais universitárias, ora o escritório se subordina à Pró-Reitoria de Pesquisa, ora à de Extensão, ora a alguma Coordenadoria ou a uma Fundação de Apoio, o que para o usuário externo se constitui num labirinto, e o caminho da acessibilidade virtual é desanimador, e do ponto de vista cognitivo, quase intransponível (Fujino & Stal, 2004).

A dificuldade de acesso às páginas da Internet reflete a cultura organizacional acadêmica, baseada em áreas de conhecimento, e é fundamentada naquilo que a universidade julga poder oferecer à sociedade. O problema é que a oferta é elaborada em forma compreensível somente para seus pares. O uso da Internet como instrumento privilegiado de divulgação da produção científica e principalmente tecnológica para a sociedade tem sido aquém do potencial que o meio de comunicação permite, pois a disponibilização das informações obedece também ao modelo ofertista linear da academia, sem preocupação explícita com o potencial usuário que, neste caso particular, é sem dúvida alguma a empresa.

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        WERTHEIN, J.(2000). A sociedade da informação e seus desafios. Ci.Inf., Brasília, v.29, n.2, p.71-77

 

 

 



[1] Doutora em Ciências da Comunicação, Docente do Curso de Biblioteconomia e Documentação, Universidade de São Paulo

[2] A pesquisa analisou o fluxo de atendimento de todas as consultas demandadas por pequenas empresas no período de 1 mês, pelo Serviço Disque – Tecnologia, da USP, como subsídio à elaboração de tese de doutorado defendida pela autora em 2000.

[3] Serviço de Informação criado pela Universidade de São Paulo, em 1992, com o objetivo de atender a demandas de informação da micro e pequena empresa. A implementação deste serviço contou com o apoio do SIMPI- Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo e, posteriormente, do SEBRAE – Serviço de Apoio às Micro e pequenas Empresas de São Paulo. Pela capacidade de penetração na mídia nacional, tal serviço acabou por se constituir em “ modelo” que foi multiplicado em dezenas de universidades no Brasil e em outros países da América do Sul.

[4]  CNPQ www.cnpq.gov.br

FAPESP/PITE www.fapesp.br

 

 

[5] A pesquisa analisou o site de  universidades  públicas do estado de São Paulo (USP, UNICAMP) e federais (UFSCar, UFRGS, UNIFESP) com o objetivo de analisar os instrumentos disponíveis para a empresa ter acesso às informações sobre patentes geradas na universidade. Ver Fujino & Stal, 2004.

[6] Expressão utilizada por Plonski (1995) para explicar o desequilíbrio entre a oferta de resultados de pesquisa pela universidade e a demanda pela empresa.

[7] UFRGS. Homepage. Disponível em http://www.ufrgs.br. Acesso em 23 de abril de 2004.

UFSCar. Homepage. Disponível em http://www.ufscar.br. Acesso em 23 de abril de 2004.

UNICAMP. Homepage. Disponível em http://www.unicamp.br. Acesso em 23 de abril de 2004.

UNIFESP. Homepage. Disponível em http://www.unifesp.br. Acesso em 23 de abril de 2004.

USP. Homepage. Disponível em http://www.usp.br. Acesso em 23 de abril de 2004.